Cabe inicialmente esclarecer que há uma nítida diferença entre retenção e apreensão de veículos, sendo esta, medida utilizada em infrações mais graves e que consiste na retirada de circulação do veículo com o consequente condicionamento de sua devolução ao pagamento de multas e/ou outros encargos.
Já na retenção o veículo poderá voltar a circular tão logo a irregularidade seja sanada.
Neste sentido, a autoridade de trânsito não pode, ou não deveria, confundir direito à realização de transporte irregular (direito este que não existe), com o direito de não ter o veículo apreendido pela realização de transporte irregular (direito que existe e que deve ser amparado pelo judiciário).
Realmente o transporte irregular de passageiros não é legítimo. Muito pelo contrário. Acontece que, não restam dúvidas que o particular, mesmo cometendo uma infração de trânsito, tem direito líquido e certo de não ver seu veículo apreendido, com o condicionamento da liberação ao pagamento de multa superior à estabelecida no Código de Trânsito Brasileiro.
Cumpre registrar que essa atitude, infelizmente, vem se configurando um insistente disparate no que tange a entendimento já consolidado no ordenamento jurídico.
É fato que a autoridade de trânsito deve fiscalizar o transporte irregular de passageiros, mas em conformidade com os dispositivos legais aplicáveis ao caso, sendo vedado à Administração Pública fundar seus atos em dispositivos que afrontam o princípio da legalidade.
Essa infração (transporte remunerado de pessoas ou bens sem o devido licenciamento) encontra previsão no art. 231, inciso VIII, do Código de Trânsito Brasileiro, nos seguintes termos;
"Art. 231. Transitar com veículo:
(...)
VIII - efetuando transporte remunerado de pessoas ou bens, quando não for licenciado para esse fim, salvo casos de força maior ou com a autorização da autoridade competente:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa
Medida administrativa - remoção do veículo".
(alteração dada pela Lei n. 13.855 de 8 de julho de 2019)
Observe que referido dispositivo é claro ao fixar como medida administrativa a remoção do veículo, não a sua apreensão.
Sobre esse dispositivo o Superior Tribunal de Justiça, a tempos, já vem entendendo não ser possível a apreensão de veículos que transportem de forma remunerada, pessoas ou bens sem o devido licenciamento, conforme se exemplifica;
"ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÂNSITO. APREENSÃO DE VEÍCULO. LIBERAÇÃO CONDICIONADA AO PAGAMENTO DAS MULTAS VENCIDAS E DESPESAS COM REMOÇÃO E DEPÓSITO. ILÍCITOS ADMINISTRATIVOS PREVISTOS NOS ARTS. 231, VIII, E 232 DO CTB SANCIONADOS COM RETENÇÃO DO VEÍCULO. APLICAÇÃO INDEVIDA DA APREENSÃO. DIFERENÇA. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE A HIPÓTESE E O RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA APLICADO NA DECISÃO RECORRIDA. AGRAVO REGIMENTAL DA PESSOA NATURAL PROVIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. PREJUDICADO O AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO . (STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp nº 1107262/RJ, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, Acórdão publicado no DJU em 04/10/2010)".
Esse entendimento, já está, inclusive, consolidado na jurisprudência pátria, notadamente no Superior Tribunal de Justiça, vejamos:
Enunciado 510:
"A liberação se veículo retido apenas por transporte irregular de passageiros não está condicionada ao pagamento de multas e despesas".
Assim sendo, no caso de transporte irregular/remunerado, o veículo deve ser retido, até a regularização da infração, que se dá no exato momento em que os passageiros saem do veículo.
Frise-se, novamente, que não se está aqui afirmando que é lícita a atividade de transporte irregular/remunerado.
Apenas me parece, que o poder de polícia exercido pelo agente público, que ao invés de aplicar a penalidade cabível e liberar o veículo tão logo a irregularidade seja sanada o apreende, condicionando sua devolução ao pagamento de multas e/ou outros encargos, extrapola os limites impostos pela lei ferindo o princípio da legalidade, esculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, o estabelecido no Código de Trânsito Brasileiro, na jurisprudência pacífica e na Súmula 510 do Superior Tribunal de Justiça.
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